Janela sobre um gato da rua de nome Bichento

O parto de Bichento foi em meados de 2010. Desmamou muito cedo, o bastante para se tornar um legítimo gato de rua. É um gato macho, o que não impede que a sua autonomia incite algumas provocações sobre mulheres e autonomia. Sua vida de gato de rua atravessa também outras prosas, como os nossos ciclos menstruais. Rua das Rosas é seu endereço, mas Bichento é morador de muitas outras ruas. Dispensa os marcos regulatórios do tempo. Pela manhã está na horta e logo depois, sua capa de invisibilidade toma forma. Some. O calendário percorre dois, três, quatro, até que no quinto dia, eis que Bichento torna-se visível aos nossos olhos. Seu marco regulatório do tempo é a lua. De ciclos. Períodos de estar na rua, períodos de estar na morada natal. Esses movimentos, de vai e vem, percorrem as conversas sobre as fronteiras da autonomia. Pois Bichento, é um gato legítimo. Detesta as relações de poder, quando estas são decorrentes das prerrogativas dos homens. Amor latifundiário não faz parte do enredo diário de Bichento. Ele gosta mesmo é de relações mútuas, de cuidado, bem-querer e desafios. Para aqueles e aquelas que autoritarismo é palavra inerente aos seus corpos, um Bichento em suas casas provocaria as zonas de imposições. Bichento é a lua adversa de Cecí Meireles.  Seu olhar de águas profundas recita os versos do poema quando aos meus olhos se dirige:

- Tenho fases, como a lua. Fases de andar escondido, fases de vir para a rua. Perdição da minha vida! Tenho fases de ser teu, tenho outras de ser sozinho. Fases que vão e que vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. Pois tenho fases, como a lua. 


Desenho de Guilherme Nogueira de Castro

Bichento é tão feminista que sua diva é Frida Kahlo. Tem bigode e sobrancelhas inspirados na mexicana!


Pâmela Cervelin Grassi

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