México I



2018 é um ano de recuerdos e registros. O tempo tratou de atravessar 10 anos desde os primórdios de 2008, quando, aos 18 anos, ingressei ao mundo do ensino da história e da historiografia. Fui confluência de experiências vividas e de lugares praticados. Hoje sou um emaranhado de perguntas sobre tempos, espaços e memórias. San Cristóbal de las Casas, Chiapas, México, maio de 2018. Para onde foi o que eu fui? O Benjamin, na sua versão mais prosa poética, escreveu que quem deseja aproximar-se do seu passado soterrado, há que escavar o solo, revolvê-lo e investigar a terra que expôs. Em territórios mesoamericanos, as terras expostas, que sobrepõem-se uma às outras, são de longo prazo. É México Olmeca Preclásico 2500 a.C. exposto com México Independência 1810. México Pósclásico Caída de Tenochtitlán 1521 d.C. com México Revolução Zapata Villa 1910. México Clásico Esplendor Maya 650 d.C. com México Levante Zapatista 1994. É tanto estrato de tempo arrancado de seu passado e exposto aos nossos olhares contemporâneos. E voltando a pergunta, para onde foi o que eu fui, essas terras visíveis e justapostas estão abrindo brechas em meu corpo político e efêmero. Um corpo-território, construído de memórias do âmbito particular e coletivo, de discursos e conhecimentos que falam de experiências históricas das mulheres desde o ponto geográfico tupiniquim-latino-americano e de sensibilidades às flores das peles de quem já não é mais, de quem ficou ou de quem é chegança. Tem partes do meu corpo que, quando despertadas, me fazem lembrar o amor. Tem também aquelas sinapses que insistem em permanecer e me conectam às memórias que queria abandonar pelo caminho. Pouco tempo atrás assisti uma película mexicana lado b que explica que o que somos é depositado no hipocampo. E das atividades elétricas dos neurônios nesta parte do cérebro, os sentidos podem acionar memórias. Nos primeiros dias da primavera chiapaneca, gostava de passar pelo Palácio Municipal de San Cristóbal de las Casas (o mesmo que o EZLN ocupou em 1994), para que meu olfato fosse surpreendido pelo cheiro de jasmim, que me fazia viajar até o sul do Brasil. A geologia mexicana provoca para as memórias da morte. Desconfio que as raízes genealógicas do Día de Lxs Muertxs são intrínsecas a esta realidade física violenta, de zonas sísmicas e vulcânicas, desertos, montanhas, sistemas de cavernas e cenotes. Ao entrar na Cueva del Mamut, Cuevas del Chorreadero ou nas Grutas del Arcotete e a elas me render, o inframundo absorveu minhas histórias e perturbou-me. Pois para praticar o México, tenho defrontado com os medos que me paralisam ou com as dores do meu corpo, a medida que identifico aquilo que me fortalece e os caminhos onde moram meu coração. Meu corpo não é um mapa fixado em um tempo-território definido e limitado. Meu corpo tem sido um espaço fluido, conflituoso, de fronteiras móveis e estratos de tempo alheios a ele. Obsidiana negra, cacau, milho e descolonização são as palavras que hoje tentam definir meu cotidiano.  

Pâmela Cervelin Grassi
[as fotografias são de Antonio Turok, mexicano que já documentou Chiapas 1994 e Oxaca APPO 2006]

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